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Uma nova maneira de ajudar pessoas cegas
Como tudo funciona
A grande advertência
A primeira vez que testemunhei os desafios da deficiência foi quando comecei a faculdade, em 2016. Os meus colegas de albergue vieram de toda a Ásia e África, perseguindo diferentes carreiras e hobbies, cada um com a sua própria identidade cultural e experiências vividas.
Naquela época, uma ala inteira do meu albergue era dedicada a estudantes cegos e colegas com visão limitada. Encontrá-los nos becos, a caminho dos refeitórios ou em direção à faculdade – e guiá-los até o destino, de mãos dadas – rapidamente se tornou uma rotina diária.
As conversas curtas eram sempre fascinantes, e a memorização de volumes inteiros de poesia urdu nunca deixava de me surpreender. Durante a época de exames, ofereci-me regularmente como escritor enquanto meus amigos narravam as respostas.
Foi uma experiência reveladora para mim, mas dois aspectos se destacaram. Primeiro foi a presença permanente dos smartphones em suas vidas. Em segundo lugar, apesar de ser uma universidade considerada nacional, havia uma total falta de assistência a deficientes, especialmente para residentes ou visitantes cegos em todo o campus.
Estas deficiências vão desde infraestruturas não planeadas até à falta de uma pilha de tecnologia de apoio. Saif Khan, um arquiteto, me disse que não existem diretrizes padrão para tornar os edifícios acessíveis para pessoas cegas. “O melhor que fazemos é construir rampas para pessoas com deficiência motora”, disse Khan, dono do Pause Design Studio na capital nacional da Índia, à Digital Trends.
A situação é sombria por vários motivos. O Dr. Arif Waqar, que trabalhou extensivamente com pessoas cegas, disse-me que mesmo na academia da ciência médica, o foco está mais no lado curativo do que na solução dos problemas existentes.
“Não estamos apostando no lado da inovação técnica. E isso significa que os problemas do mundo real continuam a persistir sem uma solução universal. A assistência à navegação é uma delas”, diz Waqar.
Uma nova maneira de ajudar pessoas cegas
Uma equipe da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, quer usar aplicativos de smartphones para ajudar pessoas cegas a navegar pelos edifícios. Notavelmente, esses aplicativos não requerem nenhuma configuração técnica pré-existente e precisam apenas dos sensores internos do telefone. Nem mesmo o módulo da câmera faz parte da equação aqui.
Roberto Manduchi, professor de ciência da computação e engenharia na UC Santa Cruz, liderou o desenvolvimento desses aplicativos para ajudar usuários cegos a se movimentarem dentro de um prédio usando sinais de áudio. A parte mais conveniente – e segura – é que os usuários não precisam segurar o telefone enquanto o utilizam.
Pense nesses dois aplicativos – chamados Wayfinding e Backtracking – como o equivalente GPS para navegação interna. No entanto, ao contrário de outras tentativas que requerem sensores pré-instalados em edifícios ou GPS não fiáveis, estas aplicações necessitam apenas dos sensores instalados dentro de um telefone para oferecer orientação.
Esses aplicativos precisam apenas dos sensores instalados no telefone para oferecer orientação.
Especificamente, a equipe usou leituras dos sensores inerciais – o acelerômetro, o giroscópio e o magnetômetro – para medir o progresso da navegação. Embora dependam principalmente dos alto-falantes do smartphone para sinais vocais, os aplicativos também podem ser emparelhados com um smartwatch.
Cinco metros à frente de cada curva, os aplicativos instruem o usuário sobre a próxima mudança de direção. Enquanto o aplicativo Wayfinding ajuda na entrada e na navegação, o aplicativo Backtracking usa o plano da jornada inicial e simplesmente o inverte para fornecer a orientação necessária.
Num futuro próximo, a equipe espera integrar tecnologia de visão computacional aos aplicativos. Isso permitiria aos usuários clicar em uma imagem do ambiente ao seu redor quando se encontrassem em uma situação complicada e fazer com que a IA descrevesse o mundo ao seu redor.
A visão é semelhante à forma como os chatbots de IA modernos agora podem processar imagens, permitindo aos usuários simplesmente apontar a câmera e deixar a IA entender isso.
Como tudo funciona
Como parte dos testes, a equipe da UC Santa Cruz contou com sete participantes cegos que usaram o aplicativo Wayfinding para percorrer rotas, que tiveram 13 curvas no total. Em seguida, eles usaram o aplicativo Backtracking para refazer o caminho original na viagem de volta.
Esses aplicativos não dependem de nenhuma infraestrutura externa nem exigem que os usuários segurem os telefones em uma determinada posição para capturar dados do ambiente ao seu redor. Os aplicativos funcionam bem mesmo quando o telefone está guardado com segurança nos bolsos.
Esta é uma vitória crucial do ponto de vista da conveniência. “Os viajantes cegos normalmente usam uma bengala longa ou um cão-guia e, portanto, já têm uma mão ocupada manobrando a bengala ou segurando o cachorro”, diz o artigo de pesquisa, que foi publicado na revista ACM Transactions on Accessible Computing.
Esta é uma vitória crucial do ponto de vista da conveniência.
Para o aplicativo Wayfinding, a equipe testou dois algoritmos separados: Azimuth/Steps e RoNIN. O primeiro toma emprestado o conceito de rastreamento de passos, criando um vetor de passos bidimensional em cada passo registrado e informações direcionais extraídas da bússola integrada do telefone.
Para estimar a posição do usuário, é aplicado um sistema de “acerto de contas”. “Isso é semelhante à antiga técnica de navegação que calculava a trajetória de um navio usando a bússola para rumo e um chip log (uma corda com vários nós colocados regularmente) para velocidade”, explica Manduchi. “Você reconstrói a trajetória do navio desenhando uma linha no mapa com base na direção e na velocidade medidas.”
Erros algorítmicos — ou “desvios” — são inevitáveis. Para contrariar isso, a equipe usou uma técnica chamada filtragem de partículas, que é usada principalmente para rastreamento espacial. Neste caso, a filtragem de partículas foi utilizada para adicionar certas restrições corretivas para evitar esse desvio.
“Não podemos cruzar paredes (a menos que sejamos o Super-Homem). Adicionar essas restrições anteriores (com base nas plantas baixas subjacentes) reduz drasticamente o efeito do desvio”, disse Manduchi à Digital Trends.
O algoritmo RoNIN foi implantado principalmente como uma análise comparativa e à prova de falhas e, durante o teste, foi necessário apenas uma vez. Para estimativa do caminho mais curto, os aplicativos contam com o sistema GameplayKit da Apple, framework usado predominantemente para construção de jogos. Notavelmente, a Apple já possui uma estrutura de mapas internos disponível para desenvolvedores.
“Não podemos cruzar paredes (a menos que sejamos o Super-Homem).”
A equipe também usou controles baseados em smartwatch em um Apple Watch, usando uma combinação de controles, incluindo deslizar por toque, movimento da coroa digital e VoiceOver. Os aplicativos alertam os usuários sobre a próxima curva, padrões de movimento errados, pontos de referência próximos e quando eles entram em um novo segmento de rota.
A equipe expressou confiança na técnica de localização baseada em inércia que conduz o aplicativo, principalmente porque é acessível e não requer nenhuma infraestrutura externa para oferecer serviços de orientação. No entanto, Manduchi me disse que Wayfinding e Backtracking são “apenas aplicativos experimentais, ainda longe de uma versão de distribuição”.
Notavelmente, a equipe está considerando a rota de código aberto por meio da plataforma UCSC Center for Research on Open Source Software. No entanto, uma divulgação pública pode levar algum tempo para abordar “várias questões práticas”, diz Manduchi. Infelizmente, uma dessas questões é de natureza fundamental.
A grande advertência
A conveniência é um tema recorrente por trás dos dois aplicativos e parece que não há limitações de hardware exigentes. Perguntei se os aplicativos exigiam um certo nível de poder de fogo do silício durante os testes ou se o aplicativo finalizado tinha uma linha de base de desempenho.
Manduchi me disse que não há tais expectativas de desempenho do hardware nativo, já que a equipe testou os dois aplicativos em um iPhone X, lançado há oito anos. É seguro presumir que quando os dois aplicativos forem lançados publicamente, a maioria dos proprietários de iPhone poderá executá-los com facilidade.
Agora, o aplicativo Wayfinding é impulsionado pela disponibilidade de plantas baixas. De nada adiantaria se o app não tivesse a planta já salva em seu diretório. Mais especificamente, as plantas dos edifícios precisam ser alimentadas em formato vetorizado.
A equipe de Manduchi já resolveu um lado desse obstáculo crucial. “Criamos um aplicativo web que facilita a vetorização de uma planta baixa em qualquer formato existente, para que possa ser utilizado pelo nosso aplicativo”, conta Manduchi ao Digital Trends. Ele diz que pretendem lançar o aplicativo da web publicamente em um futuro próximo.
O verdadeiro obstáculo é a disponibilidade desses mapas de construção, vetorizados ou não. “Nossa experiência é que a disponibilidade de plantas baixas de edifícios públicos é irregular e as plantas disponíveis podem estar em vários formatos”, disse Manduchi.
Esse problema só pode ser resolvido com participação voluntária ou se o Estado decidir intervir. “Como arquiteto, entrego aos meus clientes a planta baixa ou o esboço digital em formato PDF, porque é isso que eles precisam ver. Falando realisticamente, os pesados mapas vetoriais em arquivos IMDF não têm utilidade para eles”, Khan me disse.
Ele enfatiza que não existe segredo comercial radical envolvido aqui, mas a maioria das empresas ou entidades de arquitetura não compartilha os mapas vetoriais 3D. “Pense nisso como uma propriedade intelectual, algo que é a base do trabalho que fiz”, diz Khan.
Esses mapas vetoriais geralmente são criados em aplicativos exigentes como Revit ou AutoCAD e só podem ser visualizados ou manipulados usando esses aplicativos. Portanto, não faz sentido compartilhá-los de qualquer forma, pois o cliente só precisa de um mapa que possa abrir e compreender, como desenhos em um simples PDF ou planilha digital.
Mesmo que o atual proprietário de um determinado edifício concorde em fornecer uma cópia do mapa para aplicativos como o Wayfinding, ele primeiro teria que rastrear o arquiteto ou a empresa de planejamento por trás dele. Eles podem ou não compartilhar por motivos logísticos, contratuais ou qualquer outro motivo legalmente protegido.
“Esses aplicativos oferecem pelo menos uma solução viável para superar esses erros.”
No entanto, a situação torna-se ainda mais complicada para edifícios geridos por entidades governamentais. Podem ser qualquer coisa, desde o hospital público mais próximo até a estação de metrô local. Solicitar uma licença e obtê-la aprovada para acessar os mapas vetorizados pode ser um processo demorado e tedioso.
Na Índia, por exemplo, campi universitários, infra-estruturas públicas e escritórios governamentais foram construídos durante a era colonial britânica. Encontrar um mapa ou mesmo uma planta arquitetônica seria como encontrar uma agulha em um palheiro histórico.
O único caminho a seguir seria remapeá-los digitalmente de forma profissional, o que seria outro grande empreendimento. Por enquanto, o código aberto parece ser o único caminho significativo a seguir, pois isso garantiria pelo menos que os aplicativos Wayfinding e Backtracking pudessem fornecer assistência à navegação em qualquer capacidade significativa.
“Não há provisão arquitetônica para pessoas cegas. Não existem diretrizes aplicáveis”, diz Khan. “Esses aplicativos oferecem pelo menos uma solução viável para superar esses erros.”